12.10.11

O submundo de um porteiro de classe média!

1:30 da madrugada. Estava jantando quando o meu porteiro me interfonou. Quase sempre ele faz o mesmo pra me pedir ajuda com o computador do prédio que "escangalhou", mas que na verdade ele só desligou o monitor sem querer. Porém dessa vez foi diferente e algo sério.

Sua esposa estava passando mal e ele tinha acabado de chamar a SAMU.  Pediu pra que eu ficasse na portaria enquanto isso. Na mesma hora eu desci. Ele chorando e desesperado contou que a mulher estava caida no chão, ao lado da cama.

Vou explicar o que aconteceu antes dele me chamar. Ele mora ao lado do meu prédio e todo dia às 22:00 sua esposa leva a janta. Hoje demorou. Deu 23h e Dona Inês não havia chegado. 00h e nada. Quando deu 1h da manhã ele resolveu ligar, mas ela não atendeu. Ai foi quando ele foi ver o que tinha acontecido, já que ela tem problemas de saúde. Ao chegar a viu caida no chão, o fogo aceso com a panela queimando, a torneira da cozinha ligada.

Quando ele saiu dizendo que iria busca-la pra poder ficar ali no hall do meu prédio esperando a SAMU, me prontifiquei em ajudá-lo.
O seguinte: Moro num bairro de classe média, minha rua é bem arborizada, tranquila e com alguns prédios suntuosos. Entre meu edificio e o botequinho que tem por aqui, existe uma porta de aluminio. Tal porta eu sempre reparei quando passava por ali. Sabia que o Antonio, o porteiro, morava ali. Quando ela estava aberta eu imaginava que tinha uma ou no máximo duas casas ali. Mas o que eu vi nessa madrugada foi um mundo totalmente paralelo ao que a estética de toda a rua dizia. É praticamente um submundo com muitos barracos, bichos asquerosos e cachorros maltratados. Um cortiço. Quando entrei estava tudo escuro e confesso que mesmo com as palavras de conforto e desespero de Seu Antonio, senti medo daquele lugar que nunca imaginei que existisse. Quando finalmente chegamos ao seu barraco, novamente o bom senhorzinho me tranquilizava em relação ao seu cão que estava preso a uma grade bem fraca. Ao entrar não pude deixar de reparar no espaço apertado, bagunçado, com cheiro desagradável e acredite, COM BARATAS. Em apenas 5 segundos naquele pedaço de lar eu avistei 3 BARATAS andando no chão. Dona Inês estava deitada na cama ao lado de 3 outros cães que não paravam de latir, porém não avançaram em mim. Precisei deixar de lado naquele momento toda a vaidade que posso ter, precisei ser cego para que meus olhos não me atrapalhassem no socorro a senhora debilitada, ao avistar alguma barata ou até mesmo um rato.
A todo momento Seu Antonio me agradecia pela ajuda e pedia misericordia a deus. Dona Inês não conseguia andar e nem falar. Minhas mãos também serviram como articuladores dos seus pés que não aguentavam suspender nem um centimetro para subir os pequenos degraus naquele lugar.
A colocamos sentada no banco que fica no hall do meu prédio e esperamos a SAMU ali. Eu abraçado a senhorinha que cheirava a urina, seus braços calejados pela hemodiálise e uma tosse que a deixava agoniada. Em alguns momentos ela olhava pra mim com olhos de gratidão e eu sorria e dizia que tudo ia ficar bem. Não tinha forças pra se expressar em palavras, mas conseguiu levantar a mão e colocá-las na minha perna e dar umas batidinhas como quem quis dizer "Obrigado, meu filho". Entendi o recado e lembrei da minha avó.

Perguntei a Seu Antonio quanto ele recebia pra trabalhar no meu prédio e o salário é bom. Disse também que Dona Inês recebe uma pensão considerável do ex-marido. Fiz a pergunta do salário pra tentar entender o porque dele viver naquelas condições e se o salário que recebesse fosse baixo, iria certamente dar uma chamada na sindica. Sindica essa que não dá uma ajuda aos funcionários(São 4) do edificio. Mas não foi o caso. O simpático porteiro disse que o motivo que o faz morar ali são 2: Um é que ele é proprietário do barraco, e aliás, me contou sobre isso com orgulho. Só que ele não pode alugá-lo; O segundo motivo são os seus cães, já que o dinheiro que os dois ganham não são suficiente pra bancar uma casa razoável para abrigar seus cachorros.

Agora, nada acontece por acaso MESMO. Cheguei em casa 23h e com fome. Ao passar pelo portão Seu Antonio comenta sorridente sobre o jogo do Brasil. Subi e quando deu 23:30 resolvi ligar pro restaurante que costumo pedir comida delivery. Demorou tanto tempo que quando consegui falar com a atendente já tinha encerrado o serviço de entrega. Ela disse que poderia fazer o pedido e eu ir lá buscar. Como é aqui perto, eu o fiz. 1:15 a moça me liga avisando que a comida estava pronta. Volto com a comida em mãos e novamente passo pelo porteiro. Ele pergunta se o Brasil tinha ganhado e respondo que não sabia. Assim que cheguei em casa, busquei na internet o resultado do jogo pra dizer ao porteiro, já que a sindica( </3) proibiu televisão na portaria. Ele ficou feliz com a vitória da nossa seleção e me agradeceu.
Eu sempre tive essa relação bacana com ele, mas talvez se o delivery desse certo eu jantaria mais cedo, não teria descido, não teria interfonado pra ele pra dizer sobre o jogo e ele não se sentiria a vontade pra me pedir socorro.
Logo depois que a SAMU chegou, e isso levou um pouco mais de 1h, eu subi e dei metade da minha janta pra ele. O porteiro simpático, apesar da tensão de ter a esposa naquela situação, ficou todo feliz com o arroz, filé a parmegiana, batata frita e a garrafa de coca-cola que acabara de ganhar.

2 comentários:

  1. Texto mt bem escrito,Marlon.É maravilhoso vc ter esse tipo de relação de amizade com seu porteiro, a maioria das pessoas não conhecem nem seus rostos,quanto mais seus nomes.Sempre apoiamos causas de um modo geral,mas nunca nos damos conta da importância e gravidade da mesma até nos depararmos com ela e termos que ver com os próprios olhos.Ah,se todos fizessem a sua parte...
    Parabéns pela atitude,isso é muito raro.

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  2. Amigo!

    Olha, essas pessoas conseguem nos dar um banho! Costumo pensar que podemos aprender com todos, desde que estejamos dispostos. E aquele que só nos têm o mal para mostrar, desses, aprendemos ser o contrário.

    Achei linda essa suas experiência e sei que foi verdadeira. Me lembro de uma vez que fui na sua casa e você queria dar pizza para o porteiro. Enquanto eu mesma encarei como uma atitude "fofa", aquilo pra você foi tão natural! E eu aprendi ali.. tanto que não me esqueci!

    Obrigada por compartilhar isso conosco, por ser quem você é e por estimular a outros. Amo sua pessoa!! rs.

    Márcia Barros.

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